segunda-feira, setembro 04, 2006

O menino que mijava coca-cola - Capítulo Um

Jesus era o mais novo de uma família de seis irmãos: Josué, José, João, Júlio, Julião e, claro, Jesus, que tinha sete anos. Moravam na roça, tão longe da escola que o ônibus, de um dia pro outro, esqueceu que lá existe. Era o primeiro dia de aula de Jesus, e ele passou quase chorando, vendo os irmãos jogarem bola no quintal. Estava com dor no cotovelo esquerdo e preferiu não jogar.

Naqueles dias em que a falta do que fazer imperava, os irmãos reservavam boas horas do dia pra jogar bola. Fosse época de seca ou quando tarefa na roça simplesmente não tinha de haver, tinha gol a gol até não ter mais sol. Jesus quase nunca jogava, reclamava de doença ou de dor num lugar ou noutro pra ficar de fora. Se jogava, só fazia perder. Acostumou a deixar de lado essa coisa de competir e inventava todo dia uma desculpa melhor que a da vez anterior pra não ter que enfrentar os irmãos.

Por fim, de tanto usar do mesmo expediente, Jesus ficou desacreditado. Ninguém mais dispensava a devida atenção, nem em caso de o moleque despencar de quase morto. Feliz de dona Joana, a mãe, que não teve carência disso acontecer pra acreditar no menino. Foi num certo dia de janeiro, Jesus a tirou do fogão. Tinha algo estranho no xixi. Toma isso filho, que é remédio, e tornou a dar ao menino meio copo de chá da primeira folha que viesse à mão.

Até então, pra tudo que era problema, a mistura tratava de fazer sarar. Só que desta feita, já ia a segunda dúzia de copos de chá desde a lua nova e o menino não passava pra desculpa seguinte. Tem coisa errada, pensou a mãe. Foi com Jesus ao banheiro e viu que o xixi estava mesmo esquisito. Tava escuro, tinha cheiro de açúcar e intrigou a mãe, que resolveu chamar o pai, que resolveu chamar um por um dos irmãos, e nenhum deles se atreveu a explicar.

O jeito foi esperar o dia seguinte, dia de doutor no distrito, pra examinar. Foi dia de Josias, o pai, acordar antes ainda dos galos. Jesus nem viu a estrada até o distrito, o cobertor estava quentinho e a marcha só fazia dar mais sono. Na sala toda branca, ele tomou cinco copos d'água pra devolver meio. Deixou num frasco um líquido escuro, gaseificado e de aroma adocicado, que deixaram uma cara de dúvida no doutor por alguns minutos. Vou guardar aqui na geladeira pra depois fazer exame na cidade, disse ao pai e a Jesus. Na semana que vem você volta aqui, campeão!, era a primeira vez que alguém chamava Jesus disso.

Porém, antes de o doutor voltar pra cidade, um extravio inesperado atravessa a trajetória desta história. A faxineira, como de rotina, pegava o horário de almoço pra limpar a sala do doutor. Era muita gente que passava por ali, e o que mais tinha era sujeira de paciente. Aquele calorão e a saída do doutor era o que precisava toda vez pra Francisca pegar água mineral, bebida, fruta, e o que estivesse sobrando ali na geladeira dele.

Nesse dia, por acaso, tinha um copinho. Francisca ficou curiosa. Sabia ler pouco, o suficiente pra ver pela primeira vez que o doutor era homem de religião. Deve ser por isso que ele não se importava quando sumiam as coisas da geladeira. E não ia ligar pra um copo de coca-cola. Ela raramente tomava coca-cola, quase nunca tinha dessas coisas por lá. De tão satisfeita, não segurou a notícia, saiu a contar pelos corredores que tinha tomado o copo de coca-cola do patrão.

Ela só não sabia que desta vez o doutor não ia deixar passar. Material de paciente não podia sumir. Onde foi parar o material do garoto?, esbravejou ele. Material? Desculpa doutor, eu não sabia que era material do garoto... pra mim era material do senhor mesmo. É que a gente custa a ver coca-cola aqui, e quando vi não agüentei... soubesse que era material do garoto, tinha deixado ele beber.

5 Comments:

At 10:58 AM, Anonymous Anônimo said...

Vou te falar uma coisa, nunca tinha visto esta tal de Francisca na vida, mas ô muié que dá trabaio, viu!

 
At 10:59 AM, Blogger Paulo Morais said...

Seu Josias, a culpa não é só dela, como ela ia saber a respeito do material do seu filho?

 
At 10:59 AM, Anonymous Anônimo said...

Perguntasse, ué? Como é que vai pegando as coisas dos outos e bebendo assim?

 
At 11:00 AM, Anonymous Anônimo said...

Duvido que se você me visse, também não ia querer beber.

 
At 11:01 AM, Anonymous Anônimo said...

Querer eu podia até querer. Mas antes ia perguntar pros outros, ué.

 

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