quarta-feira, setembro 06, 2006

O menino que mijava coca-cola - Capítulo Dois

Era hora de fechar o posto quando Firmina, a recepcionista, chamou Francisca pra fazer a resenha do dia. Que que aconteceu pro doutor implicar com ocê?, perguntou. Veio me xingar porque a coca-cola que sumiu é material do garoto. Se eu soubesse disso, tinha deixado o garoto beber, uai, respondeu Francisca.

Firmina, porém, era, um pouco mais sabida do que Francisca e tinha conhecimento de que quando falava material é porque ia pra cidade fazer exame. Também era de pleno conhecimento que material não podia sumir não, cada um tem o seu e se trocar pode dar problema. Só que se a Francisca falava a verdade, então o material do garoto era coca-cola, e já não era do conhecimento de Firmina que coca-cola também servia pra fazer exame. Ficou com isso na cabeça, mas achou melhor esperar pra ver no que ia dar.

E teve de esperar toda a semana, pois só a segunda-feira seguinte foi dia de visita do doutor de novo. Josias voltou a acordar mais cedo e trouxe o filho pra saber o resultado do exame. Decididamente, não tinha como ser frescura, pois há duas semanas que o xixi do menino estava esquisito. E enfiaram água e chá de folha no menino, e pararam de dar café, e nada dele sarar.

Já era hora mesmo de saber o que esse menino tinha, mas no posto de saúde parecia que o tempo andava mais devagar. Tinha muita gente esperando. Era uma dona em pé, com menino chorando no colo, outro sentado num pedaço de toco, uma menina que sabe-se lá como não tinha nojo do catarro escorrendo na cara, todo mundo do lado de fora do posto. Firmina aparecia na porta e chamava um por um. Já tinha chamado a menina que fez cocô na calça três vezes, o velhinho que tinha a perna enfaixada e a mãe que trouxe um menino com a cara cheia de pinta.

Jesus ficava invocado porque a moça nunca falava o nome dele, nem que fosse em vão. Firmina também aguardava pelo chamado. Ficara atrás da porta ouvindo todas as consultas, a fim de saber quem era o tal menino que trouxe coca-cola pra fazer exame. E foi depois de uma consulta chatíssima, uma conversa que nem teve graça, de um rapaz que tinha só uma dor na nuca porque dormiu atravessado, que o doutor pediu para Firmina chamar Jesus.

De trás da porta, tudo o que Firmina ouvia era uma conversa esquisita, o doutor falava sobre um tal de extravio. E disse que ia ter que recolher o material novamente. A informação a deixou de orelha em pé, esperando a hora do almoço pra conferir o material do garoto.

Pois eis que dá o meio-dia. Firmina chama Francisa até a sala do doutor, abrem a geladeirinha e lá atestam: o copo de coca-cola voltava à geladeira, e na embalagem estava escrito Jesus. Verificaram o conteúdo e não tinham dúvida, era mesmo coca-cola. Que coisa esquisita, acho bom falar com o Fortunato, do almoxarifado, ele é mais sabido que a gente e vai saber melhor dessa história de levar coca-cola pra fazer exame.

3 Comments:

At 1:38 PM, Blogger Rô Peixoto said...

Um tanto inusutado e insano... mas bom, sem dúvidas!

Realmente, há algo de louco em visitar blogs alheios. Desse eu gostei... espero que tenha gostado do meu também!

 
At 2:19 PM, Blogger Cristiano Contreiras said...

Você sabe descrever um conto cotidiano e emocional perfeito.
Gostei da tônica de seu blog! virei mais vezes.

abraços

 
At 9:34 PM, Blogger Marla de Queiroz said...

Que interessante...a gente usa o mesmo instrumento e sempre descobre outras formas de se contar a vida, de falar dela...A gente tem a palavra com sua riqueza, mas o Universo de possibilidade de combiná-las somos nós!
Isso me fascina.
Volto sempre.
Beijos.

 

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