quarta-feira, setembro 13, 2006

O menino que mijava coca-cola - Capítulo Quatro

Padre Homero era o tipo do religioso esquisito. Pregava a todos princípios de boa convivência, mas era o mais mal-humorado da paróquia. Ninguém entendia o motivo de tanta amargura. O que corria à boca pequena é que não tinha como ele se acostumar com um lugar tão longe de tudo depois de ter morado a vida toda na capital. Havia quem dissesse, entretanto, que ele era carrancudo simplesmente porque queria. Seja lá qual fosse o motivo, a verdade é que o padre Homero já estava mesmo de saco cheio daquele distrito cheio de gente enjoada. Só não tinha deixado o lugar porque tinha uma ou outra pessoa do agrado dele.

Os coroinhas Horácio e Otávio, por exemplo, eram do agrado do religioso. Os dois alimentavam um outro mistério que intrigava as fofoqueiras do distrito. Como dois meninos alegres e divertidos passavam o dia todo cumprindo ordens daquele sujeito tão desagradável? Além do mais, eles pareciam muito mais felizes em seguir o caminho da fé do que o padre. Mesmo quando a missa levava horas e o sermão se confundia com o ronco da ala de mais idade, os dois ficavam de pé durante toda a celebração, num belo gesto de adoração.

Eis que naquele fim de tarde de segunda-feira, o Padre Homero contava os segundos pra abandonar de vez o distrito. Cansado da morosidade daquele fim de mundo, já estava com a mala pronta. Só esperava tocar o sino das seis horas pra colocar o fusquinha na estrada e largar aquele bando de gente sem futuro pra trás. Nem se preocupava em deixar o distrito a poucos dias da festa da padroeira. Também pudera, naquele evento sem-graça só tinha barraquinha de suco ralo e doce amargo. E, pra piorar, as encenações não arrancavam um suspiro sequer de ninguém e davam mais sono a cada ano.

Faltava pouco para o coroinha Horácio puxar a corda do sino e decretar o adeus, quando Firmina surge pela porta. Escuto a última fofoca sem-graça da vida alheia ou saio despercebido?, pensou padre Homero, antes de ser abordado. Embora curto, o pensamento foi longo demais. Antes de tomar qualquer decisão, já não tinha mais como fugir da abobrinha. Firmina estava afoita, nervosa, querendo contar mil coisas de uma vez. Padre Homero, desta vez você não vai acreditar – toda vez o papo começava do mesmo jeito. Um tal de Jesus, filho de um tal de Josias, que mora na Cabrita, pra lá de Mais-Além, de uma hora pra outra resolveu mijar coca-cola.

Dessa vez era demais. Fofoca esquisita ele já tinha ouvido muita. Essa, porém, superou as outras. E justo na hora em que ele quase se sentia livre do tédio do distrito. Na falta do que falar, padre Homero simplesmente não disse nada. Pegou a mala e saiu andando em direção à porta da igreja. Firmina, acostumada que era com a falta de educação do pároco, tentou insistir na conversa. Padre Homero, você vai embora? Justo agora que eu pensei que ia ter barraquinha de coca-cola na festa da padroeira?

Bastou ela terminar a pergunta e o padre quietou. Olhou pra Firmina e arregalou os olhos. O sino da igreja tocou.

2 Comments:

At 10:45 AM, Anonymous Anônimo said...

Nunca gostei desse jeito carrancudo do padre Homero e nas últimas vezes que fui conversar com ele estava cada vez mais chato. Ainda penso se não seria melhor ter deixado ele ir embora.

 
At 10:46 AM, Anonymous Anônimo said...

Firmina, o padre Homero é boa gente, atencioso e carinhoso. Mas você tem que ter um pouco de paciência.

 

Postar um comentário

<< Home