terça-feira, setembro 26, 2006

Nossa função enquanto público

Reservo-me neste momento o direito de repercutir a postagem que li mais cedo no Biscoito. Franklin Martins, comentarista de política da Band, revelou, em sua coluna no IG, a armação montada pelo jonal O Estado de S. Paulo. O diário simplesmente resolveu entender que pobres, pretos e nordestinos são os responsáveis pela corrupção no Brasil.

A "constatação" se deu após uma leitura no mínimo preconceituosa (racista mesmo) de uma pesquisa do Ibope, em que o jornal simplesmente ignorou as margens de erro para dar sustentação a uma tese que simplesmente não se sustenta. No final das contas, a mensagem passada nas entrelinhas é a de que quanto mais escura a cor da pele, mais conivente é o brasileiro com a corrupção. Nem precisa dizer que isso é um absurdo.

Queria aproveitar a deixa para falar de outro caso de forçação de barra. Esta semana resolvi comprar duas revistas para compará-las: a Caros Amigos, independente, e a Época, da Editora Globo. Não vou discutir a cobertura das eleições, mas de outro assunto importante: a guerra no sul do Líbano.

Época fez uma matéria entitulada "O que há com o Islã"? Em oito páginas, mostrou, basicamente, como a religião se transformou em pano de fundo para extremistas, homens-bomba, fundamentalistas e guerrilheiros praticarem atos de terrorismo contra nós, o Ocidente. O ponto de partida da matéria foram as declarações do papa Bento XVI. Com várias fotos tiradas de agências de notícias, a revista mostrou Osama Bin Laden e seu fuzil AK-47, homens-bomba libaneses e fanáticos radicais muçulmanos na Índia.

O texto da matéria mostra que a preocupação da revista foi fundamentar a visão de que o ocidente perdeu a paciência com o Islã. De posse disso, a revista se preocupou em encher as páginas de aspas para credenciar a tese.

Por outro lado, a Caros Amigos resolveu seguir por outro lado e fez o que os meios de comunicação deveriam ter feito há muito tempo. Resolveu ouvir a voz dos oprimidos. Em outras palavras, concedeu direito de defesa aos muçulmanos. Desta forma, mostrou que existe um outro lado nessa história, e que merece ser ouvido.

Ao contrário da Época, que aparentemente fez toda a matéria do Rio de Janeiro, ouvindo especialistas por telefone e copiando material de agências de notícia, Caros Amigos mandou um repórter ao sul do Líbano para ouvir o que os libaneses têm a dizer. Pela primeira vez, pude ler vários argumentos que sustentam uma outra tese, a de que a violência nada tem a ver com a religião e, sim, com o petróleo.

Vocês podem pensar: "mas eu já ouvi isso outras vezes". Eu também já. Mas não com tamanha precisão e argumentação que a Caros Amigos brilhantemente revela em sua edição especial.

Resumo da ópera: a grande imprensa não se preocupa em mostrar o outro lado da história, mas somente aquele que interessa. Nossa função, como público, é correr atrás desse outro lado.

1 Comments:

At 12:24 PM, Anonymous Anônimo said...

Paulo:
O que acontece é que nós, do Sudeste e do Sul, temos a tendência de olhar o nordeste como outro país. E achar que todo pobre é burro, o que não é verdade.
O que acontece com o Lula é que tem identificação com quem é pobre, que se vê refletido nele. Assim, o voto é uma forma de protesto contra os "ricos" e cultos.
Neste contexto, a ética fica de lado. Não que o povo não a tenha, tem. Mas acha que está votando em um igual.
Talvez seja por isso que uma blogagem coletiva como essa seja importante. Reflete a diversidade de opiniões e mostra posturas preconceituosas como a do Estadão.

 

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