quinta-feira, setembro 21, 2006

Carta às faculdades de jornalismo

Outro dia fui a uma faculdade de jornalismo do interior de Minas em busca de emprego. Deixei meu currículo e conversei com uma diretora, que me contou sobre o fato de eles trabalharem para o mercado. “Daqui nossos alunos saem para o mercado, nós damos a eles a prática para que saiam prontos para entrar no mercado”, ela me disse. Na mesma semana, circulava por Belo Horizonte panfletos de uma outra faculdade de comunicação, que se gabava de oferecer aos alunos o espaço totalmente voltado para a prática. Essas observações me deixaram com uma séria dúvida a respeito do futuro dos estudantes que se filiam a essas instituições e até mesmo dos cursos de comunicação social. Vou explicar por quê.

As duas faculdades, assim como várias outras que observei, se apóiam na lógica mercadológica sob a qual se enxergam grande parte dos vestibulandos, seus principais clientes. Na idade de prestar vestibular, muitas vezes os alunos estão preocupados em entrar para a faculdade mais para conseguir uma colocação no mercado de trabalho do que qualquer outra coisa. De posse disso, as faculdades se prestam a oferecer um mero curso profissionalizante, com base em uma visão simplória, deformada e até mesmo irresponsável. Elas preferem atender aos anseios de seus clientes por um diploma do que trabalhar para que as salas de aula sejam um amplo espaço de reflexão acerca dos conceitos que regem a comunicação.

Para deixar mais claro esta idéia, vamos a um exemplo. Quando da minha graduação em jornalismo, tive acesso obviamente às disciplinas práticas, como fotografia, planejamento gráfico, radiojornalismo, etc. Apesar de hoje não saber como aproveitar todo o potencial de uma máquina fotográfica profissional, fui treinado durante um semestre inteiro a trabalhar com o diafragma, obturador, objetiva e demais componentes da câmera. Também aprendi a lidar com a revelação das fotos na sala escura, mas imagino que isso hoje já tenha sido substituído por aulas frente ao Photoshop. Bom, o resultado disso tudo é que o conhecimento adquirido nesta disciplina considerada prática não provocou nenhum efeito, pois ao sair da sala de aula jamais toquei em uma câmera fotográfica. Pela falta de prática, perdi o que aprendi. Numa leitura freiriana do que aconteceu, o conhecimento não me modificou e, portanto, simplesmente não houve educação.

Agora pense bem o que acontece com um estudante que passa praticamente todo o semestre da disciplina de planejamento gráfico em frente a um computador aprendendo a lidar com os comandos do Adobe Indesign. Ou então, com aquele que fica seis meses aprendendo a trabalhar com o Adobe Premiere sob o título de Edição em TV e Vídeo. Este não foi o meu caso, mas é o pode estar acontecendo por aí.

O que ocorrem, em ambos os casos, é emburrecimento. Pois os alunos sairão das salas de aula e não saberão pensar para atender a algum desafio do mercado. Sairão apenas com a capacidade de obedecer ao chefe, pois são apenas técnicos e não pensadores.

Não bastasse isso, há ainda um outro problema grave. As faculdades profissionalizanes de jornalismo se sentem satisfeitas em entregar um bacharel tecnicamente pronto para assumir o mercado. Só que estes alunos, ao se formarem, encontram um mercado historicamente restrito e com poucas oportunidades. Muitos dos bacharéis vão acabar abandonando a profissão. Resultado: o conhecimento da faculdade não os transformou como se pretendia. Em outras palavras, eles emburreceram. E, por saírem cada um descontentes com o mercado que encontram, em grupo vão acabar provocando o descrédito do diploma de jornalismo.

Creio que o perigo que envolve essa formação meramente profissionalizante fica óbvio. Mas qual poderia ser, então, o caminho para as faculdades? Elas precisam se rever. A sala de aula é um espaço para debate, para crescimento intelectual, e não para emburrecimento tecnicista. Os alunos que ali freqüentam devem discutir conceitos, e não aprender a trabalhar com um ou outro software ou equipamento.

Por exemplo, nas aulas de fotografia, eles devem aprender teorias gerais da fotografia e depois discutirem sobre o uso dela para o jornalismo, os critérios de edição, etc. Assim como nas aulas de planejamento, os alunos não precisam aprender a desenhar, mas sim entender como opções de diagramação são apropriadas por diferentes propostas de jornalismo, como pensar uma diagramação e assim por diante. A parte meramente técnica poderia até ser oferecida em oficinas experimentais, por exemplo. Mas jamais tomar a maior fatia das horas-aula das disciplinas.

Ampliado para todas as disciplinas, esse realinhamento irá permitir ao aluno que, ao sair da faculdade, repense o mercado como está. De posse dos conceitos que adquiriu, ele poderá observar a realidade daquele mercado e, assim, criar alternativas para que possa se encaixar. Como agora sabem pensar, irão se propôr a objetivos muito mais nobres do que apenas deixarem currículos nos balcões de recepção da grande mídia. Saberão criar novas demandas e, numa perspectiva mais ampla, trabalharão pela democratização da comunicação, um desafio que os bacharéis de hoje têm a obrigação de enfrentar.