terça-feira, outubro 31, 2006

O jornalismo como está e o futuro das faculdades

No final do primeiro turno destas eleições, ficou um forte cheiro de desconfiança no ar em relação à imprensa, como de costume. O episódio da investigação policial sobre a compra do dossiê revelou também uma desconfiança em relação aos jornalistas que apuraram o caso e os que participaram da divulgação da foto do dinheiro. Quem perdeu o bonde dessa história pode relembrar aqui ou aqui, ou aqui.

O caso ganhou repercussão em revistas, blogs e listas de discussão por e-mail das quais participo. Ficou no ar a dúvida: os jornalistas teriam agido certo ao divulgar material obtido de maneira ilegal? Não teriam cometido nenhum crime por burlar a lei para conseguir um furo jornalístico?

Vale lembrar que não é esta a primeira vez que a discussão vem à tona. Ela já aconteceu, por exemplo, no caso dos grampos telefônicos que culminaram com a demissão do ex-ministro das Comunicações de FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros e de outros quatro integrantes daquele governo.

Bom, nas discussões que observei, notei que os jornalistas encaram de maneira muito natural o fato de colegas de profissão se envolverem num negócio fora-da-lei para conseguir o furo jornalístico. É difícil pensar, entretanto, se alguém negaria ao delegado Bruno as fotos, pois os repórteres recebem salário de seus patrões e foram até a polícia, naquela ocasião, com a tarefa de voltar com o material.

Pois bem. Minha intenção aqui não é meramente discutir se, no caso do jornalismo, os fins justificam os meios, como muitos jornalistas tentaram justificar no tal episódio. Fica, na minha cabeça, a seguinte dúvida: diante de um mercado de imprensa absolutamente fechado (há poucas empresas jornalísticas e muitos profissionais em busca de emprego) e de grandes veículos de comunicação visivelmente voltados à manipulação de informações, não estariam os jornalistas dispostos a fazer qualquer coisa para se manterem no mercado, numa espécie de "topa-tudo-por-emprego"?

Não seria a hora de os jornalistas pensarem um pouco mais com senso crítico sobre o desserviço que prestam à credibilidade dos órgãos de imprensa? Acredito que sim. Mas por outro lado, tenho a certeza de que isso dificilmente acontecerá. O motivo?

Acho que ainda precisamos pensar em como melhorar o nível das faculdades de jornalismo para tornar os profissionais mais críticos em relação a seu papel nas redações da grande imprensa.

Como fazer isso? Tenho a minha sugestão. Primeiro, precisamos deixar claro que a cobertura destas eleições colocaram na pauta de urgência um assunto que já vem sendo debatido há décadas: a democratização da comunicação.

É nesse contexto, de urgência por democracia no campo da comunicação, que as faculdades de hoje entregam os jornalistas ao mercado. E é para esse contexto que devem preparar seus alunos. É preciso reformular no sentido de preparar alunos não apenas para buscar vagas no mercado já instituído, mas também para descobrir possibilidades em um novo mercado que deve crescer nos próximos anos: o da mídia alternativa.

Me assusta, então, o comercial de um centro universitário que vi na televisão outro dia desses. Tal instituição de ensino comprou espaço comercial na grade de programação das tevês para exibir ao público seus laboratórios: de fisioterapia, de odontologia, de radiojornalismo, de televisão, entre outros. E bradava aos espectadores: "para nós, isto é uma sala de aula". Gabava-se de que, com tanta estrutura, seus alunos vão se dar bem no mercado.

Coincidência ou não, no dia seguinte vi na tevê (estou assistindo tevê demais!) um programa produzido por alunos desta mesma faculdade. Era um programa de cultura, cinema, música. Trazia algumas entrevistas, como a do Skank, por exemplo, feitas pelos estudantes. Tinha, também, material de agências de notícias sobre os filmes em cartaz nas salas de BH.

Agora pensemos bem: o que um estudante de jornalismo aprende ao reeditar uma matéria de agência de notícias para seu programa semanal na tevê? Ele pode apreender a editar vídeo pra tevê, a editar texto jornalístico, a estabelecer critérios de exibição das notícias, etc. Basicamente, tem noções de técnicas jornalísticas.

Ele pode aprender tudo isso e fazer um programa bonitinho com o que tem em mãos. Fica faltando só um detalhe: ele simplesmente ignora o motivo pelo qual o jornalismo um dia foi criado e o papel que um repórter tem, que é de ir à rua buscar informação com as pessoas, e não simplesmente re-divulgar aquilo que já está pronto.

Nota-se que há uma forma errada de educação. A que preço? Ao preço de milhares e milhares de reais que os estudantes pagam para ter à disposição laboratórios que são miniaturas da grande imprensa. O laboratório de rádio é uma miniatura de Itatiaia, o de tevê, miniatura da Globo e o de jornalismo impresso, miniatura do Estado de Minas.

E qual o resultado disso? Os alunos, normalmente bancados pelos pais, poderão se encontrar melhor no mercado que está instituído. Se lhes surgir uma vaga em qualquer grande meio de comunicação, estarão prontos para assumir. Serão portadores de uma técnica infalível de jornalismo, mas, entretanto, não questionarão seu papel enquanto jornalistas. Buscarão o furo pelo furo, farão o jogo da grande imprensa e, no fim das contas, contribuirão para deixar as coisas exatamente como estão. Receberão salário no fim do mês e justificarão, assim, o investimento que os pais lhe deram no período da faculdade.

Como sair dessa ciranda? Dou a minha sugestão. É preciso pensar numa alternativa barata, mais viável que os laboratórios estruturados, que leve o estudante a refletir sobre a profissão que vai assumir e seu papel para modificá-la, tendo em vista a urgência de democratização.

Situação parecida aconteceu na década de 1970 com o curso de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Naquele tempo, os grandes hospitais investiam em qualidade técnica e a faculdade, para acompanhar, precisava investir em laboratórios de grande porte. Até que chegou um limite e a faculdade investiu num novo módulo de educação: o internato rural.

A faculdade resolveu, na ocasião, tirar os futuros médicos das salas com ar-condicionado e equipamentos de última geração e levá-los para o contato com o povo em cidades pequenas, carentes de atendimento médico. O resultado foi que os estudantes tiveram contato com uma nova realidade, na qual estavam inseridos mas não tinham senso crítico para reconhecê-la.

Quase trinta anos depois (o internato rural teve início em 1978), hoje vemos a valorização dos programas de saúde da família, numa espécie de democratização do acesso à saúde. Claro que ainda há muitos desafios a vencer, mas nesta área a mudança na formação dos universitários foi um passo visivelmente importante.

Do ponto de vista da faculdade de comunicação, como poderia ser um programa de internato rural? Em convênio com prefeituras de cidades pequenas, a faculdade teria acesso a um estabelecimento, onde os alunos, que irão morar nessas cidades por alguns meses, irão produzir comunicação social a partir do zero. Irão conversar com pessoas, investigar demandas e propôr soluções.

Soluções que, aliás, não faltam. Os alunos poderiam propôr um periódico para a tal comunidade, com o objetivo não de serem simples porta-vozes de notícias, mas sim de preservar o patrimônio cultural e a memória oral, tão presente em pequenas comunidades. Para os alunos interesados em outras áreas, há outras possibilidades: rádio comunitária, video documentário, livro-reportagem, etc.

Ao alavancar uma proposta de comunicação do zero, em contato direto com uma comunidade, os estudantes terão ciência de seu real papel enquanto formadores de opinião, enquanto comunicadores e, claro, enquanto cidadãos. E terão a cabeça pronta para descobrir que é viável investir em novas propostas de comunicação.

A proposta está lançada.

4 Comments:

At 1:21 PM, Blogger graziipa said...

Paulo, socorro! Você me colocou várias pulgas atrás da orelha. Entrei em crise jornalística. Preciso debater isso.

 
At 3:52 PM, Anonymous Anônimo said...

Paulo,
Li de um fôlego só. Gostei muito, ou melhor, amei. É um assunto em que eu jamais pensaria, se não fosse seu post. Obrigado tirar-me da ignorância sobre este assunto e sobre vários outros que também li em outros posts seus.
Hélia.

 
At 4:47 PM, Blogger Paulo Morais said...

Oi Dona Hélia, obrigado pela visita e pelo comentário. Melhor ainda é saber que a Andressa me ajuda todos os dias a pensar nessas coisas! Um dia a gente chega lá! Grande abraço!

 
At 1:41 PM, Blogger Unknown said...

ficaria admirada se a imprensa tratasse dos fatos sem se vender...ficaria mais confiante se ela fosse menos tendenciosa e mais verdadeira

 

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