quarta-feira, novembro 08, 2006

Uma Onda no Ar (2002, de Helvécio Ratton)

A atual lei de imprensa, em vigor desde 1967, prevê que apenas emissoras de rádio e televisão credenciadas pelo governo podem existir. Isso significa que é o poder executivo quem controla quem pode ou não pode fazer rádio ou televisão no Brasil.

Desde quando tal lei foi implementada, no início dos governos militares, a concessão de rádio ou de televisão passou a valer como moeda de troca política. Ou seja, políticos ou entidades que se alinhavam ao pensamento vigente conseguiam a licença. Isso explica por que até hoje a maioria das emissoras afiliadas às grandes redes de tevê pertencem a oligarquias regionais e grupos politicamente dominantes em várias regiões do país.

A lei, entretanto, ao mesmo tempo em que benfeciava um grupo restrito de pessoas da elite, aos poucos ia gerando reação entre os mais populares. E começaram a surgir, na década de 70, em diversas regiões do Brasil, rádios comunitárias. Elas apareciam, na maioria das vezes, fruto do trabalho pessoal de líderes de comunidades oprimidas e em muitos casos se apoiavam em movimentos populares e pastorais da igreja católica.

Um dos casos mais emblemáticos desta disputa de poder entre povo e elite foi o da Rádio Favela, de Belo Horizonte. A história desta rádio, hoje reconhecida como patrimônio da cidade, é retratada em Uma Onda no Ar.

O filme conta a história de quatro jovens que viviam no Aglomerado da Serra, conjunto de vilas onde hoje moram mais de 160 mil pessoas. Jorge (Alexandre Moreno), por um acaso foi parar numa estação de rádio instalada no alto do morro. Passou a visitar o local, clandestinamente, várias vezes, e comentou com os amigos Zequiel (Adolfo Moura), Roque (Babu Santana) e Brau (Benjamin Abras) sobre a vontade de criar uma rádio que servisse como porta-voz da comunidade da favela.

Zequiel foi o primeiro a levar a idéia a sério. Como era técnico em eletrônica, encorajou os demais amigos a comprarem as peças necessárias para fazer um transmissor FM. Os amigos se empenharam na empreitada e logo estava no ar "a voz do morro", que, de início, ocupava a faixa de horário destinada nas rádios comerciais à "Voz do Brasil".

Racismo, violência, pobreza, e outros problemas comuns àquela realidade entraram no ar e logo a rede também chegou ao asfalto. Aí começaram os problemas: a polícia passou a perseguir os novos radialistas, sob a alegação de que a rádio instigava a violência.

Por outro lado, a rádio ganhou a simpatia de uma jornalista e de um advogado, virou assunto de jornal e recebeu até prêmio das Nações Unidas pelo papel de conscientização que marcou na vida da favela da Serra.

Se, mesmo depois de mais de 20 anos da queda da ditadura militar, muito ainda se discute sobre liberdade de expressão no Brasil, Uma Onda no Ar mostra como a democratização da comunicação pode ser útil para a construção de um país menos desigual.